domingo, 10 de abril de 2022

Filipe Belemita

 Filipe Belemita

Nascido em Belém de São Francisco, em 18 de janeiro de 1998, cresceu com a história dita pelo Pai que nesse dia choveu, sendo sinal de bom presságio. A Mãe é paulista, mas se encantou ao visitar a raiz da família pernambucana e conhecer seu pai. Assim se apaixonaram, e no tempo das vacas magras, quando Filipe fez dois anos de idade, rumaram para São Paulo atrás de oportunidades.

 Infelizmente o retrato pintado da cidade grande não é tão colorido assim, depois de morar na casa de familiares e pular de emprego em emprego, se encontram na ocupação de um terreno, uma grande fazendo qual o dono faleceu, e não apareceu ninguém para herdar, e o trabalho onde o pai se estabilizou foi de metalúrgico, assim como o presidente que logo daria um pouco mais de esperança pra essa galera que era esquecida.
O trabalho era bom, tinha muitos direitos, tinha até plano de saúde e material escolar para Filipe e para o Irmão que vinha chegando. Mesmo assim era pesado, o Pai sempre trabalhava de domingo a domingo, e nos tempinhos de folga que tinha gostava de ensinar os filhos o que tinha aprendido da Filarmônica Dionon Pires com Mestre Lau, além do que aprendeu no campo jogando no time de Pantu.
O futebol não foi pra frente, mas a sementinha da música foi plantada em Filipe. A força da MTV e da internet influenciou demais seus gostos, andava com camisa de banda, sempre alguma coisa inglesa meio desconhecida dos anos 70, mas a primeira música que chegou perto de acertar a cifra na guitarra foi dos Engenheiros do Hawaii.
Secundarista durante o golpe contra a presidenta Dilma, começava a ver seus amigos mais velhos falando em manifestações, em pichar muros, e no cantinho da caderneta de sociologia, a tal da mais-valia. Foi Golpe, foi crise, foi Temer, e a empresa metalúrgica multinacional  começou a demitir funcionários, até que o Pai decidiu seguir o sonho de ter uma roça na sua terra, e conseguiu sair com seus direitos da empresa e de São Paulo.

.

  Foram todos para Belém do São Francisco, Pai, Mãe, Irmão e Filipe. Era outro mundo, era outra coisa, outra realidade. Depois da escola veio a faculdade, e foi ali que a vivência começou a fazer sentido, as festas do sindicato, os tratores da reintegração de posse na ocupação que ele morava, o trabalho de domingo a domingo. A História foi o curso que fez Filipe entender o que estava acontecendo com ele e com o mundo. E foi também a História que lhe deu coletivamente o sentimento de pertencimento a Belém, a história da sua cidade, do Pai, do Avô e do Bisavô.
Entender os carnavais e as calçadas de avião, entender os casarios e as suas senzalas, clube branco e clube negro, ouvir a história do povo das ilhas. Mas como falar isso só com artigos? Como colocar isso pra fora através de referências teóricas? A resposta é não só com o TCC, mas com a poesia. A poesia que chega e faz lembrar dos dias de domingo, do DVD de Petrúcio Amorim tocado na rua mais nordestina de São Paulo, na voz de Santanna, na sanfona de Flávio José e no violão de Maciel Melo, são as coisas de Pai, que agora também passam a fazer sentido para Filipe.

 

 E depois tem muita coisa, tem Victor Jara, tem Violeta Parra, tem Banda Reflexu’s, tem Edson Gomes, tem Cordel do Fogo Encantado, tem Carlos Puebla, tem Zeto do Pajeú, Em Canto e Poesia, tem também Pedro Munhoz e Zé Pinto, tem Quilapayún e Luís Cília, tem também Elomar e Vital Farias, Xangai. E tem a luta de todo dia, tem Prestes, Marighella, Mauro Iasi, Gregório Bezerra, Lampião, Olga, Frida Kahlo, Almodóvar e Godard. Vem então Marcos Passos e Chico Pedrosa, e também Anchieta Dali.
Praça do Abaré, Comendador Elias José, Lano Pires, Léo Pimenta, e as violas, tantas cordas, tantas notas, tantas noites violadas. E antes de tudo vem Carlos Pinto, o artista do povo belemita, o rei não coroado, que homenageou Gildo Moreno com a canção “Cidadão Belemita”, fermentando uma identidade que só seria possível assim, sem lenço, sem documento, sem sobrenome, Filipe Belemita. 

 


Nenhum comentário: