quinta-feira, 23 de junho de 2011

BOB DYLAN - 70 ANOS

Bob Dylan completa 70 anos

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O senhor Robert Allen Zimmerman – autobatizado Bob Dylan – traça com a voz única e letras belas a história da música popular desde o início da década de 1960. Bob Dylan, como é conhecido, foi resenhado, biografado e filmado à profusão nos últimos 50 anos. Gravou 34 álbuns de estúdio, 13 discos ao vivo e 14 compilações, o que faz sua influência notável em cantores de todo o mundo e também no Brasil. A presença pode ser percebida no estilo de se apresentar no palco, na atitude ao se posicionar diante de determinados assuntos, nas temáticas das letras e até na quantidade de versões em português que as canções dele ganharam por aqui.

“Ouvia um cara com a voz na salada cantando. Passei a seguir o cara, conhecer as letras e aquilo me marcou tanto que fui cantar na noite outros tipos de música para não ser considerado um cover de Bob Dylan”, lembra Zé Geraldo, sobre as músicas que ouvia em rádios AM, quando deixou o interior de Minas Gerais e partiu para São Paulo para se tornar cantor, no fim da década de 1960. Outro discípulo de Dylan, Odair José, conta que nas conversas com os músicos no estúdio, enquanto grava o disco Praça Tiradentes, deu a senha para encontrar o tom ideal da canção que leva o título do álbum. “Quero uma coisa meio Bob Dylan”, disse. Entraram harmônicas e alguns violinos. “Todo mundo sabe o que é Bob Dylan”, resume Odair.

O cantor, aliás, sabe tão bem que já foi chamado de “Bob Dylan da Central do Brasil”. Isso foi em 1979, depois de gravar O filho de José e Maria, polêmico e clássico disco, considerado uma ópera-rock, pois as músicas contam em sequência a história de um rapaz – filho de José e Maria – com arranjos distantes do brega e bem próximos ao rock’n roll. “Isso (o apelido) surgiu de uma entrevista que dei para a jornalista Hidelgard Angel. No título, estava escrito que eu era o Bob Dylan da Central do Brasil”, recorda Odair. À época ele achou a alcunha exagerada e foi procurar saber com o assessor de imprensa o que significava aquilo e até mesmo se podia ser uma invenção dele. A saber: o assessor era Paulo Coelho, hoje escritor, que disse a Odair não ter influenciado a ideia. Mais de 30 anos depois o cantor considera o apelido exagerado, mas reconhece a influência de Dylan em seu trabalho. “Muitas coisas vêm e passam, mas algumas não acabam, como mulher, filhos e Bob Dylan”, filosofa Odair.

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Historiador, jornalista e conhecedor da música popular brasileira, Paulo César Araújo explica que o estilo de “cronista do cotidiano”, tão bem executado por Dylan, se encaixou perfeitamente na música brasileira. “Quando Dylan surgiu não foi um estouro aqui no Brasil. Sempre circulou em um grupo mais restrito. Mas as temáticas de suas canções podem ser identificadas em diversos cantores”, pontua. Na análise de Araújo, Bob Dylan e Beatles se tornaram matrizes da música, em que os cantores buscam inspiração. “Mesmo que o estilo não pareça muito é possível identificar semelhanças em diversos músicos, de Caetano Veloso até Chico Buarque”, destaca. O autor dos livros Eu não sou cachorro não: música popular, cafona e ditadura militar (Editora Record) e da biografia censurada Roberto Carlos em detalhes (Planeta) complementa: “Toda canção hermética, politizada e crítica se tornou um pouco Bob Dylan”.

Lígia Vieira Cesar escreveu o livro Poesia e política nas canções de Bob Dylan e Chico Buarque (Editora Novatec). A obra é fruto do estudo que desenvolveu no mestrado, quando fez uma análise comparativa entre as canções dos dois e encontrou vários pontos em comum. “No fim da década de 1960 e início da década de 1970, Chico tinha uma ideologia voltada contra o movimento da ditadura que vigorava no país. À mesma época, as letras de Dylan faziam críticas duras à guerra do Vietnã”, compara. Mesmo que ambos, em diversas ocasiões, recusem o rótulo de cantores de protesto, os dois foram identificados dessa maneira pelo público. “Eles lutaram por uma ideologia. Contra a política de repressão da época”, entende Lígia.

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Não é só nas temáticas que Dylan é identificado na música brasileira. Paulo César Araújo cita Belchior, em que destaca o estilo da voz. Aliás, Belchior também cita Dylan na canção Lira dos 20 anos (Os filhos de Bob Dylan/ Clientes da Coca-Cola...). Outro que segue a linha é Gonzaguinha. “A música Comportamento geral é totalmente Dylan”, destaca Araújo. Na canção, Gonzaguinha fala sobre a resignação de um cidadão diante da impossibilidade de reclamar por uma vida melhor. Além desses, há aqueles que gravaram versões de Dylan, em uma deferência explícita ao cantor. Araújo entende que atualmente a influência está mais diluída nas novas gerações. “É como o João Gilberto. Quase todos que fazem MPB e tocam violão beberam daquela fonte. Mas quem começa agora, geralmente, já pega essa influência por intermédio de outros músicos”, compara Araújo.

Uma das versões mais famosas é Negro amor, de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti para It’s all over now, baby blue do disco Bringing it all back home (1965). A música foi gravada inicialmente por Gal Gosta, em 1977, e depois regravada por diversos cantores e bandas brasileiras. Fagner também cantou uma versão de Romance in Durango do disco Desire (1976). A letra adaptada por Fausto Nilo chama Romance no deserto e também foi o nome do disco do cearense lançado em 1987. Outra versão famosa é de Zé Ramalho para Knockin’ on heavens door do álbum Pat Garret & Billy the Kid (1973) chamada de Batendo na porta do céu. A música é a 12ª faixa do disco lançado por Zé Ramalho em 2008, em que ele canta somente versões de Dylan.

“Quando gravava Catadô de broméilias (2008) sonhei que estava em uma espelunca de beira de estrada cantando uma versão de Mr. tambourine man. Acordei e escrevi a letra”, lembra Zé Geraldo. O cantor, nascido em Rodeiro, na Zona da Mata, e criado em Governador Valadares, usou os primeiros versos que já haviam sido adaptados para o português por Gileno, na década de 1970. A música originalmente gravada por Dylan em 1965, no disco Bringing it all back home, foi regravada por dezenas de cantores e também transcrita para diversos idiomas e é considerada pela revista Rolling Stone como a mais influente canção da história.

O espelho de Zé Geraldo é profundo. Gravou no disco Estradas (1980) a música Como diria Dylan. “Quando acabei de escrever a letra, mostrei-a para um amigo em um bar e ele me disse que o Bob Dylan escreveria essa música”, explica o título. O refrão é assim: “Meu amigo meu compadre meu irmão/ Escreva sua história pelas suas próprias mãos”. Além disso, ele também já gravou a versão de Tomorrow is a long time (1962) feita pelo amigo Geraldo Azevedo, traduzida como O amanhã é distante.

Bob Dylan foi tema de livros e filmes

Quem vai a um show de Bob Dylan hoje não assiste ao Dylan dos discos. “Fui três vezes e só conseguia saber a música que ele estava cantando quando passava da metade”, conta Zé Geraldo. Dylan se posiciona de lado para a plateia, conversa pouquíssimo – ou quase nada – com o público. A atitude rock’n roll de quando empunhou a guitarra elétrica enquanto todos esperavam dele o papel de um pastor folk defendendo as raízes da música norte-americana não precisa mais ser mostrada. Por vezes, canta com um chapéu imenso, uma calça larguíssima e emenda uma canção na outra como se as músicas fossem algo único, um bloco compacto e denso. De fato elas formam isso mesmo.

Assistir ao Dylan dos discos seria como assistir a diversos shows. A partir de hoje, Dylan é um septuagenário com quase cinco décadas de carreira musical. No texto do primeiro álbum, chamado apenas Bob Dylan, lançado em março de 1962, dizia: “Com apenas 20 anos, Dylan é o mais incomum novo talento da música folk americana”. Seguiu por essa vertente até que, em 1965, para desagrado dos fãs, eletrificou o som.

Depois, caiu de uma motocicleta, saiu de cena, gravou pérolas no porão de casa junto com uma banda, flertou com a música gospel quando se converteu ao cristianismo, em 1978. Abandonou a fé cristã, voltando às raízes de judeu nascido em Duluth, no estado de Minnesota, passou por um limbo musical na década de 1980, ressurgiu aos poucos na década seguinte até alcançar novamente uma produção profícua nos últimos anos, com quatro discos gravados, o lançamento dos bootlegs, um livro de crônicas (na verdade, uma autobiografia em três volumes, o primeiro deles lançado no Brasil pela Editora Planeta), além de filme de ficção e documentário sobre sua obra dirigido por Martin Scorsese.

O aniversário de Dylan gerou um evento, o BobDay, que a cada ano realiza shows em várias partes do mundo, com artistas assumidamente influenciados por ele. Pela primeira vez, Belo Horizonte entra nesse circuito

1941 – Nasce em Duluth, Minnesota.

1962 – Grava o primeiro disco Bob Dylan, fortemente influenciado por cantores folks, como Woody Guthrie

1963 – O segundo disco é um sucesso, com Blowin in the wind.

1965 – Surpreende os fãs com a pegada rock’n roll.

1966 – Sofre um grave acidente de motocicleta.

1967 até 1974 – Passa por um período de baixa produtiva, com discos sem muita inspiração.

1974 – Ressurge com o disco Before the flood.

1975 – Lança Blond of the tracks, com clássicos como Tangled up in blue, Simple twist of fate, Shelther on the storm e Idiot wind. A crise conjugal com a esposa, Sara, marca os temas das letras.

1976 – Lança Desire, um de seus melhores discos, com Hurricane, Isis, Mozambique, Joey, Romance in Durango e a belíssima One more cup of coffee. Além de Sara, para a ex esposa.

1978 até 1983 – Grava três discos com temática cristã.

1988 – Grava o primeiro disco com a The Traveling Willburys, projeto coletivo com George Harrison, Tom Pety, Jeff Lybe e Roy Orbison.

1991 – Edita a primeira, de nove já lançadas, da The bootlegs series, com músicas e versões que não estavam na discografia.

1995 – Lança um acústico MTV.

1997 – Renasce novamente para a crítica com o álbum de inéditas Time out of mind.

2001 até 2009 – Grava quatro discos: Love and theft, Modern times, Together trough life e Christmas in the heart.

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Para saber mais


•No direction home (2005). Documentário dirigido por Martin Scorsese, que retrata bem o impacto de Dylan na cultura pop. Traz trechos de entrevistas históricas de Dylan, mostra as diversas reviravoltas de sua carreira e depoimentos de artistas, entre eles Joan Baez. Disponível em DVD

• Não estou lá (2007). Filme de Todd Haynes. Seis atores diferentes interpretam os momentos da vida de Dylan. Entre eles estão Christian Bale, Cate Blanchett e Heath Ledger.

• Bob Dylan – Gravações comentadas e discografia completa, de Brian Hinton, cobrindo toda a trajetória do cantor, dos álbuns de carreira aos singles

e antologias. Editora Larousse

• Crônicas, de Bob Dylan. Primeiro volume da trilogia autobiográfica, enfoca momentos da vida e da obra do artista a partir de sua viagem para o boêmio Bairro Greenwich Village, em Manhattan, por volta de 1961. Reconhece sua inspiração em Woody Guthrie e cita as influências de Von Ronk, Ed McCurdy e Josh White, entre outros. Editora Planeta

• Like a Rolling Stone – Bob Dylan na encruzilhada, de Greil Marcus, volta a 15 de junho de 1965, quando Bob Dylan entrou no Studio A, da gravadora Columbia Records, para registrar a canção que se tornou marco da contracultura. Editora Companhia das Letras.

•No direction home (2011). Recém-lançada biografia, em edição revisada com quase 800 páginas, escrita por Robert Shelton, jornalista que “descobriu” Dylan e vivenciou vários momentos da vida do cantor de perto.

Editora Larousse.